Cristine Gouvêa Advocacia

Inércia ilegal: a necessidade de fixação do ISS pelo Município de Belém aos escritórios de contabilidade optantes pelo Simples Nacional

27/04/2010 09:41

 

INÉRCIA ILEGAL: A NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DO ISS PELO MUNICÍPIO DE BELÉM AOS ESCRITÓRIOS DE CONTABILIDADE OPTANTES PELO SIMPLES NACIONAL

Cristine Gouvêa de Araújo[1]

 

RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar que escritórios de contabilidade optantes pelo Simples Nacional têm direito ao recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza em valor fixo, não obstante a inércia do Município de Belém, através de sua Secretaria de Finanças, que impõe o recolhimento sobre o faturamento destas empresas.

 

Palavras Chaves: Simples Nacional, Iss, Serviços de Contabilidade.

 

I - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA:

Tem cunho constitucional a garantia de que unicamente a lei pode instituir e aumentar tributos. O artigo 150, I da Magna Carta veda à União, aos Estados e ao Distrito Federal exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Trata-se da reserva legal absoluta em matéria tributária, caracterizada como direito fundamental do contribuinte. Assim sendo, ao desrespeitar este artigo também há violação à norma constitucional.

No caso, não há permissão legal para cobrança do ISSQN sobre o preço do serviço para escritórios de serviços contábeis optantes pelo Simples, restando configurada a violação ao princípio da legalidade e princípio da constitucionalidade, segundo o qual a exação tributária não basta estar sendo atribuída à lei, mas, precisa estar de acordo com que impõe a Constituição Federal.

A Secretaria Municipal de Finanças de Belém, pautada sabe-se lá em que Lei ou ato normativo, institui cobrança às empresas enquadradas no Simples Nacional de modo diverso do qual Lei Complementar direciona e pior, lida com estas empresas como com quaisquer outras, retirando o tratamento diferenciado que a própria Constituição Federal manda oportunizar à elas.

Reforçando a inteligência do artigo 150, I da Constituição Federal, o artigo 97, II, §1º do Código Tributário Nacional informa que somente lei pode estabelecer a morajoração de tributos, equiparando a isto a modificação na base de cálculo que o deixe mais oneroso. Vale, então, o princípio da reserva legal absoluta, como ministra o renomado jurista Leandro Paulsen[2]: “A legalidade estrita em matéria tributária constitui garantia fundamental prevista artigo 150, I, da CF, que é auto-aplicável. O art. 97 do CTN visa a regulamentar a legalidade, tendo a virtude de esclarecer o seu alcance”.

Por ser garantia fundamental impõe respeito por todos os entes federativos. Em outras palavras, o tributo só poderá ser instituído ou aumentado por lei. No caso em tela, os contribuintes enquadrados no regime Simples Nacional, têm que recolher o ISSQN através de base fixa. Admitir outra equação é violar este preceito.

Sob esta linha de raciocínio é que a jurisprudência vem se comportando sobre o tema, in verbis:

APELAÇAO CIVEL. EMBARGOS A EXECUÇAO FISCAL. ISS. SENTENÇA PROCEDENTE. PRELIMINAR. REJEIÇAO. IMPETRAÇAO PARALELA DE MANDADO DE SEGURANÇA. CONTINENCIA. CONEXAO. AUSENCIA DE PREJUDICIALIDADE. EXTINÇAO DO MANDAMUS. SUMULA 235, STJ. MÉRITO. BINGO PERMANENTE. LEGALIDADE DOS LANÇAMENTOS. PERCENTUAL MAJORADO POR DECRETO. OFENSA AO PRINCIPIO DA LEGALIDADE. VEDAÇAO LEGAL DE INSTITUIÇAO E MAJORAÇAO DE TRIBUTO SEM LEI PROPRIA. JUSTIÇA FISCAL. DECRETO MUNICIPAL COLIDENTE COM OS PRINCIPIOS DA LEGALIDADE TRIBUTARIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. CERTIDAO DE DIVIDA ATIVA. NULIDADE MANTIDA. VERBA SUCUMBENCIAL. INCIDENCIAS DE JUROS MORATORIOS E COMPENSATORIOS. IMPROPRIEDADE. AFASTAMENTOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR – Apelação Cível 0300126-5 – Rel. Des. Edson Pinto – Publicado em 28/09/2007 – DJ 7460)

Oportuno também citar o doutrinador Hugo de Brito Machado[3] que comungando com esse direcionamento ensina:

Realmente, é induvidoso que, se somente a lei pode criar, somente a lei pode aumentar, a não ser nas hipóteses ressalvadas pela própria Constituição. Admitir, fora dessas hipóteses, que o tributo pode ser aumentado por norma inferior é admitir que essa norma inferior modifique o que em lei foi estabelecido, o que constitui evidente absurdo. Grifo nosso.  

Em outras palavras, o fisco deve agir em estrito cumprimento da lei, não ao bel prazer e aleatoriamente, porque se for desta forma recairá em ilegalidade que merece ser cessada pelo Judiciário.

Portanto, é um verdadeiro absurdo a Municipalidade virar as costas às diretrizes instituídas no Ordenamento Jurídico brasileiro, ferindo princípio constitucional básico, razão pela qual o Poder Judiciário precisa se manifestar cessando o ato abusivo e ilegal praticado pelo Secretário de Finanças do Município de Belém.

II – DO RECOLHIMENTO DIFERENCIADO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN) POR EMPRESAS ENQUADRADAS NO SIMPLES NACIONAL – INTELIGÊNCIA DO §22 A, DA LEI COMPLEMENTAR 123/2006

A Lei Complementar 116/2003 regulamenta o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, informando sobre competência, fato gerador, base de cálculo, além de diversas orientações acerca do referido tributo.

Aquele diploma legal deixa assente que o contribuinte do ISS é o prestador de serviço e que se considera prestado e o imposto devido no local do estabelecimento do prestador (Artigo 3º LC 116/2003), especificando apenas algumas exceções. Assim, a fixação da competência ocorre com a prestação do serviço e deve ser calculado, em regra, através de alíquota estabelecida pelo Município e como base o preço do serviço[4].  

Todavia, esta diretriz não pode ser considera como inafastável, pois, a interpretação sobre o valor devido à título de ISSQN precisa se ater a espécie de contribuinte, como leciona o mestre Hugo de Brito Machado[5]:

No estudo da base de cálculo do ISS deve-se considerar, em primeiro lugar, o tipo de contribuinte. Em se tratando de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto é fixo, podendo ser diverso em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, não se incluindo nestes fatores, a quantia recebida a título de remuneração do próprio trabalho. (...) Em se tratando de serviços prestados por empresa, o imposto, que neste caso é proporcional, tem como base de cálculo o preço do serviço. (...) Em se tratando da prestação de serviços que envolvam o fornecimento de mercadorias, sujeito esse fornecimento ao ICMS, segundo previsto na lista acima referida, do valor da operação é deduzido o preço das mercadorias que serviu de base de cálculo do imposto estadual. Trata-se de separar o ISS do ICMS. É questão de competência tributária. (grifo nosso).

O complexo arcabouço legislativo-tributário faz com que surjam estes diferentes modos de levantamento do valor devido ao fisco municipal pela ocorrência do fato gerador do ISSQN. Existem diferentes legislações infraconstitucionais vigentes possibilitando tal diversidade, a exemplo do Decreto-Lei 406/1968, que recepcionado pela Constituição Federal com status de Lei Complementar, não foi revogado expressamente pela Lei Complementar 116/2003 e estabelece que as sociedades unipessoais são tributadas com imposto fixo.

A Lei Complementar 123/2006 nada mais é que outra espécie legislativa que impõe valor diferenciado em razão do contribuinte do imposto sobre serviços.  

A ponderação sobre o sistema se faz pertinente; com a Constituição Federal de 1988, ganhou quê constitucional o tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte. Isto representa visão prospectiva do Governo, cujo objetivo não é outro senão incentivar a legalização e o empreendedorismo por parte destas. Ao conceder benefícios mediante regime exclusivo, há acrescimento na economia o que é bom tanto para o Estado como para os cidadãos.

Nessa senda, o artigo 146 CF/1988 tece considerações obrigatórias, as quais foram materializadas pela Lei Complementar 123/2006. Segundo aquele estatuto, existe a possibilidade de opção pelo Simples Nacional, mas, uma vez a ele integrado é irretratável para todo o ano-calendário. Tem-se, portanto, que é o contribuinte quem decide entre vincular-se ao sistema simplificado ou prosseguir no cumprimento das suas obrigações perante cada ente tributante.

Há, nesse diapasão, uma única conclusão lógica: as empresas que formalizam cadastro no Simples, merecem que lhes seja dispensado TODO tratamento relacionado na lei de microempresas e empresas de pequeno porte. Deste modo, os que o fazem constituem-se como outra espécie de contribuinte, que deve ser lembrado a quando da cobrança do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Muito embora este delineamento, a Secretaria de Finanças do Município não tem tratado conforme manda a LC 123/2006. Assim sendo, cinge-se toda a questão na ilegalidade da cobrança de ISSQN sobre o faturamento, como vem sendo realizado pelo Município de Belém. Como já mencionado, a Carta Magna em seu art. 146, III, reservou à Lei Complementar a definição de fatos geradores, bases de cálculos e alíquotas dos tributos, sendo certo que a Municipalidade não pode limitar ou restringir direitos previstos em norma hierarquicamente superior.

Retornemos à norma em tese para que fique consignado o que vem se estabelecendo:

§ 5º-B.  Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 desta Lei Complementar, serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar as seguintes atividades de prestação de serviços:

XIV - escritórios de serviços contábeis, observado o disposto nos §§ 22-B e 22-C deste artigo.

(...) 

§ 22-A.  A atividade constante do inciso XIV do § 5º-B deste artigo recolherá o ISS em valor fixo, na forma da legislação municipal.  

Não há dúvida sobre o teor do dispositivo: escritórios de serviços contábeis devem recolher ISS em valor fixo. Mutatis Mutantis existem inúmeras decisões de Tribunais Superiores que garantem a aplicabilidade do regime diferenciado em razão do contribuinte, vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA - CABIMENTO - RECURSO - LEGITIMIDADE - ISS - BASE DE CÁLCULO - SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL - MÉDICO E FISIOTERAPEUTA. 1. Sociedade profissional, sem caráter empresarial, integrada por médico e fisioterapeuta, para a prestação de serviços especializados, com responsabilidade pessoal beneficia-se do tratamento diferenciado previsto no Decreto-Lei 406/68, art. 9º, §§ 1º e 3º. Inviabilidade de sua revogação por lei de âmbito local. O mandado de segurança pode ser impetrado pelo contribuinte desde que exista direito líquido e certo lesado ou ameaçado por ato de autoridade. 2. Em sede de mandado de segurança, a participação das autoridades apontadas coatoras no processo se resume ao atendimento da requisição que lhes são feitas pelo Juiz, prestando informações sobre o alegado na exordial. Quem tem legitimidade, portanto, oferecer recurso contra a sentença ali proferida é a pessoa jurídica de direito público" (7ª CC, Apelação Cível nº 1.0518.03.043698-5/001, rel. Des. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS, j. 28.09.04, "DJ" 16.02.05 – TJ MG).

Inclusive o Comitê Gestor, responsável pela administração do Simples Nacional, se pronunciou por intermédio da Resolução CGSN 51/2008, nos seguintes termos:

(...)

Art. 6º Sobre cada uma das receitas segregadas na forma do art. 3º aplicar-se-ão alíquotas previstas dos Anexos I a IV, observado o disposto no art. 5º, da seguinte forma:

XVI – receitas do inciso XVII do art. 3º[6]:

b) para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2009: alíquotas do Anexo III, desconsiderando-se os percentuais relativos do ISS que deverá ser recolhido em valor fixo, separadamente, na forma da legislação municipal.

Inexplicavelmente o Secretário Municipal de Finanças não emitiu qualquer instrução normativa que oriente e fixe o valor para o ISS, nos moldes da LC 123/2006 ou da Resolução acima, criando, por consequência, dúvidas no cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias, o que gera inúmeros prejuízos às empresas contábeis integrantes do Simples.

Ademais, situação se agravou após obrigatoriedade da emissão de nota fiscal eletrônica em 01/03/2010. Pois, o sistema disponibilizado pela secretaria de finanças de Belém, impõe alíquotas ao contribuinte optante pelo simples a cada emissão sobre o preço de serviço (IN 004/2009 – GABS/SEFIN – DOC. ANEXO), o que constitui grande afronta a princípio da legalidade tributária, já que lei hierarquicamente superior regula a matéria com imperativo de recolhimento em valor fixo.

Ora, coerente dizer que se os descontos continuarem da forma atual, a Municipalidade acabará gerando desequilíbrio econômico sem contar o gritante desrespeito às leis tributárias vigentes.

III - DA FIXAÇÃO DO VALOR:

Tendo em vista a inércia PRETENSIOSA da Secretaria de Finanças, é imperioso que o Poder Judiciário se manifesta ordenando que a Secretaria de Finanças do Município de Belém se abstenha de exigir da sociedade optante pelo SIMPLES, o recolhimento do ISSQN tendo por base o preço dos serviços prestados, cuja exigibilidade merece ficar suspensa, sem prejuízo do recolhimento e da cobrança do imposto pelo regime de tributação fixa anual.

Vale mencionar que o simples fato de o Município não ter instituído o valor fixo, não impede que a empresa tenha direito a recolher daquela maneira, tudo porque o artigo 38 do Código Tributário e de Rendas do Município de Belém (Lei nº 7.056/77) prevê a possibilidade da estimativa, instituto pelo qual se faz possível auferir o valor fixo através de critérios avaliativos emitidos pelo órgão de finanças públicas. Vejamos:

 Art. 38 - O preço de determinados serviços poderá ser fixado pela autoridade administrativa: I - em pauta de valores quando as condições peculiares do prestador de serviço, o caráter provisório, a organização rudimentar, a modalidade ou o volume dos serviços impossibilitarem ou dificultarem a apuração do preço; II - por arbitramento, nos casos especificamente previstos; III - mediante estimativa, quando a base do cálculo não puder ser apurada pelos critérios normais.

E mais,  

 Art. 41 - O valor do imposto poderá ser fixado por estimativa: I - quando se tratar de atividade exercida em caráter provisório; II - quando se tratar de contribuinte de rudimentar organização; III - quando o contribuinte não tiver condições de emitir documentos fiscais ou deixar, sistematicamente, de cumprir as obrigações acessórias previstas na legislação vigente; IV - quando se tratar de contribuinte ou grupo de contribuintes cuja espécie, modalidade ou volume de negócios ou de atividades aconselhem, a critério exclusivo da autoridade competente, tratamento fiscal específico. (grifo nosso)

Ao longo de todo este mandado demonstrou-se que os optantes pelo Simples, constituem-se em contribuintes que demandam tratamento fiscal específico, todavia, isto não é efetivado pela autoridade coatora.

Na verdade, REPISE-SE, a municipalidade vem reiteradamente extirpando do micro ou pequeno empresário benefício concedido por Lei Complementar, onerando desproporcionalmente, fato que causa grave dano e que se continuar, poderá vir a ser de difícil reparação.

Portanto, não há complexidade material que explique o porque da Secretaria de Finanças não instituir o valor fixo para ISSQN de escritórios de serviços contábeis, já que por mera estimativa pode auferir montante para o recolhimento, mas, prefere permanecer inerte violando princípios básicos de direito constitucional e tributário

IV – CONCLUSÃO

Lei complementar manda que empresas de serviços contábeis recolham o ISSQN em valor fixo, motivo pelo qual a cobrança sobre o faturamento representa violação ao principio da legalidade e da segurança jurídica que deve ser sanado, pelas vias judiciais cabíveis. Por essa razão, todos os escritórios contábeis deveriam acionar o judiciário para que este force a Municipalidade à agir como efetivamente manda Lei Complementar que rege o regime diferenciado das micro empresas e empresas de pequeno porte.

 



[1] É advogada atuante no estado do Pará, pós-graduanda em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera e em Direito e Tecnologia da Informação pelo Instituto Praetorium.

[2] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2008. P. 828

[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª Edição. São Paulo, SP: Malheiros, 2008. p. 33.

[4] LC 116/2003 - Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

 

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª Edição. São Paulo, SP: Malheiros, 2008. p. 405

[6] Art. 3º As ME e as EPP optantes pelo Simples Nacional deverão considerar, destacadamente, mensalmente e por estabelecimento, para fim de pagamento, conforme o caso: XVI – as receitas decorrentes da prestação do serviço previstos: a) na alínea ‘y’ do inciso I do § 3º do art. 12 da Resolução CGSN no 4, de 2007;  

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